Soube de Broken Roads em alguma postagem aleatória no X no início do ano passado. Imediatamente ele entrou no meu radar de joguinhos. Afinal, ele possuía dois ingredientes que deixam qualquer videogame mais gostoso. Se fosse apenas um jogo com a história de um mundo pós-apocalíptico, ele já teria minha atenção, mas Broken Roads também era um CRPG, a cereja no topo do bolo. Fiquei acompanhando seus passos pelas redes, tentando antessentir o aroma dessa receita que não tinha como dar errado. Será? Agora, alguns meses após o seu lançamento, pude finalmente me embrenhar pela Austrália destruída do jogo.
As terras lá embaixo
A destruição nuclear da humanidade nos videogames já percorreu diferentes pontos do planeta Terra, mas normalmente ficam concentrados nos Estados Unidos ou nos espólios da União Soviética (ou na própria). O estúdio australiano Drop Bear Bytes decidiu deslocar um pouco esse eixo da destruição ao levá-lo para seu próprio quintal, lançando as bombas nucleares por toda a Austrália, num evento que ceifou a vida da maioria dos seus habitantes.
Tecnicamente, não é o primeiro apocalipse centrado na Austrália. É possível que a maioria dos desenvolvedores de Broken Roads sequer tinham nascido quando o primeiro Mad Max estreava nas telas do cinema. Um filme clássico de humanidade destruída que se transformou em um clássico subestimado nos videogames décadas depois, mas esse é assunto para outro dia.
Com essa premissa, você pode imaginar o que o espera como pano de fundo em Broken Roads. Com o estouro da guerra nuclear, os poucos sobreviventes viram ruir a sociedade que os mantinham. Divididos em pequenos grupos, num retorno a uma era quase tribal, passaram a buscar em meio à destruição os elementos que lhes permitiam viver, um dia de cada vez. Soma-se a esse cenário os perigos da radiação, criaturas horrendas, um deserto implacável e tudo aquilo que a mente humana pode elucubrar para infligir sofrimento a alguém.
Mudam-se os ermos, mas tudo soa bem familiar para quem curte um joguinho que se passa após o apocalipse (como eu). Mas é isso? Apenas mais um jogo que se propõe a homenagear os clássicos Fallout e Wasteland? Devo dizer que não. Broken Roads inclui camadas nessa fórmula para tentar ir além do básico.
Filosofia radioativa
Broken Roads possui todo o clássico sistema de bem versus mal e uma variada escala de cinza entre os extremos. Mas para incrementar a fórmula, introduz a mecânica da bússola moral. Essa bússola é dividida em quatro partes, que abrangem diferentes correntes filosóficas. São elas: utilitarismo, niilismo, maquiavelismo e humanismo. Ao criar seu personagem, você responderá um pequeno questionário que definirá a sua posição inicial na bússola moral. A partir daí, a sua visão de mundo será moldada de acordo com as escolhas que você faz ao longo da jornada pelo que restou da Austrália.
Essa inovação na construção moral do personagem oferece boas mecânicas ao longo do jogo. Por exemplo, dividir uma única dose de antídoto para duas pessoas contaminadas move seu ponteiro moral para o lado humanista. Evitar contendas entre dois grupos beligerantes incrementa seu lado utilitarista, assim como barganhar com um aspirante à déspota. Esse movimentar da bússola moral reflete em características e possibilidades nos diálogos e nos combates, indo além das habilidades iniciais e dos bônus dos atributos individuais.
Embora certamente tenha sido o diferencial onde os desenvolvedores focaram, a bússola moral recebe destaque em toda interface e nas entranhas do jogo, ela é pouco utilizada, ficando relegada sobretudo à missão principal, que é bem curta se o jogador for direto ao ponto. As missões secundárias, embora com alguns pontos altos, quase se resumem a situações comuns de coleta e entrega de itens para personagens coadjuvantes. Não ajuda o fato do jogo ter pouquíssimos momentos de combate, deixando as questões morais quase exclusivamente ligadas à escolha de diálogos ou como parte da história per se.
Combatendo cangurus
Como dito, os combates em Broken Roads são escassos. Após a sequência inicial que conta a história de origem de seu personagem, você pode explorar o mapa principal do jogo. É aí que você encontra a quase totalidade de batalhas não relacionadas às missões principais em encontros aleatórios.
E com poucos combates, também não espere por variedade de inimigos. Enfrentamos repetidamente bandidos genéricos, cães e cangurus. Nas missões principais, temos outros inimigos humanos, com o diferencial de possuírem nomes e ingerência na história, além de uma pequena camada de poderes fantásticos. Para quem experimentou outros jogos com essa temática, certamente fará falta a exploração das questões de contaminação radiativa para aumentar a variedade de tipos de inimigos. Ou a existência de diferentes facções, com diferentes visões, disputando poder nos ermos.
Mas, tentando extrair um ponto positivo de algum ruim, podemos dizer que a reduzida quantidade de combates livra o jogador de, além da repetição maçante, de um sistema lento e engessado de batalha. A bússola moral (lembra dela?) impacta na habilidade do seu grupo, mas para algo que deveria ser destaque na jogabilidade, pouco nota-se a sua influência. Além disso, você não pode definir estratégias básicas para o combate, como posicionamento inicial do grupo ou modelos pré-definidos de ataque e defesa. Seu grupo é jogado no campo de batalha de forma desorganizada. São precisos alguns turnos para posicioná-los de forma minimamente racional. E aqui podemos falar das únicas duas músicas que tocam nesses momentos, que boas ou não, cansam rapidamente pela repetição. Se posso deixar uma sugestão, tente fugir de todos os combates possíveis, não fará diferença.
Mundo bonito e indiferente
Se há um ponto muito forte em Broken Roads, é o seu visual. O jogo é lindo. Todos os cenários são repletos de diversos detalhes que deixam verossímeis as vidas miseráveis dos poucos que ali habitam. Esse visual, que lembra uma pintura, nunca cansa o olhar. Tão belo que te faz até querer que o jogo oferecesse mais desse mundo, mas empacotado num conjunto que não apenas o visual fosse interessante. E para ser justo, a escrita do jogo também particularmente boa, com seu tempero filosófico afiado.
Uma pena que esse belo mundo não seja impactado pelas ações do jogador. Não importa seu alinhamento, não importam suas ações, não importa seu caminho, não importam seus companheiros, o mundo é indiferente. É como se o deserto e o jogador fossem entidades que existissem em planos separados.
Por exemplo, em determinado momento você pode influenciar na eleição de uma cidade, escolhendo qual candidato você ajudará. Mas não importa o resultado, nada muda na relação daquele povo com seu grupo. Em outro momento, você deve realizar ataques terroristas em outra cidade, mas não há nenhum impacto. Ninguém reage, ninguém parece se preocupar com o que está acontecendo, os diálogos não mudam. Apenas mais um escorregão na receita que parecia tão promissora.
Finalmentes
Quando escrevo esse texto, já se passaram mais de sete meses do lançamento de Broken Roads. É notável que a desenvolvedora Drop Bear Bytes vem disponibilizando grandes correções para o jogo quase mensalmente. Mesmo que as questões mais primordiais não sejam passíveis de grandes mudanças através de patchs, não percebi nenhum bug ou outro defeito que não me permitisse ir suavemente do início ao fim do jogo.
Apesar dos vários poréns que relatei no texto, não posso deixar de recomendar Broken Roads. Por sua facilidade, pode ser uma interessante porta de entrada para curiosos por CRPGs e certamente agradará os apreciadores de uma boa história de fim do mundo pela oportunidade de desbravar a Austrália devastada pela guerra nuclear. E sim, eu sou um desses caras que curtem uma história de fim do mundo
Broken Roads
Desenvolvimento: Drop Bear Bytes
Publicação: Versus Evil, tinyBuild
Jogado no PC via Steam
steampowered.com/app/1403440/
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